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Coronavírus não acabará com as cidades



Uma nova lenda circula pelo planeta: a pandemia de coronavírus extinguirá muitos centros urbanos. Aterrorizados pela doença, milhões de moradores abandonarão as cidades, que sucumbirão em curto período. De onde viria essa lenda sobre o fim abrupto? Annalee Newitz, autora do livro Quatro Cidades Perdidas: História Secreta da Era Urbana, fornece uma explicação histórica interessante: ao longo dos últimos séculos, descobridores de restos de antigas cidades criaram o mito do “ciclo da vida urbana”, segundo o qual cidades que nasceram pequenas conseguiram chegar a um pico de progresso para então rapidamente mergulhar no ostracismo.


Embora vigente até hoje, nada disso ocorreu de fato, acrescenta Newitz. Em seu livro, ela cita o exemplo de Angkor, ex-capital do antigo império do Khmer, atual Camboja, que mil anos atrás chegou a ter quase 1 milhão de habitantes (número incrível para a época), sendo considerada a maior cidade pré-industrial do mundo, com sistema de infraestrutura conectando uma área urbana de pelo menos mil quilômetros quadrados.


Segundo a lenda iniciada no século 19, quando o explorador francês Henri Mouhot descobriu os restos da cidade, em 1431 invasores vindos da atual Tailândia saquearam Angkor, obrigando sua família real a fugir de lá, indo para Phnom Penh. E seus habitantes também começaram a fugir em massa, abandonando casas e templos, que em poucos meses ficaram entregues ao mato.


A verdade, contudo, é outra: mesmo com a fuga dos nobres, o restante da população continuou em Angkor, reformando construções atacadas e criando plantações em áreas onde havia casas. No século 16, seus dirigentes até tentaram revitalizar seu centro. Não deu certo, mas o êxodo urbano levou centenas de anos até a cidade sumir de vez. Hoje, Angkor, onde se encontraram mais de mil ruínas de templos, é considerada patrimônio cultural da UNESCO, e recebe anualmente dois milhões de visitantes.


Annalee Newitz até se arrisca a comparar Angkor com cidades americanas supostamente ameaçadas pela mesma lenda da rápida extinção, como Los Angeles, Detroit e Houston. Assim como ocorreu em Angkor após a invasão de 1431, habitantes de Detroit, por exemplo, estão revitalizando a cidade com a instalação de fazendas urbanas e a reconstrução de estruturas abandonadas. Já Los Angeles e Houston enfrentam um desafio: combater incêndios e inundações por causa da piora do clima. É o que Newitz chama de “lenta catástrofe”, mescla de desastres naturais com indiferença política, algo muito pior do que as invasões militares de séculos atrás.


Como as cidades não sucumbirão, a saída é adotar rapidamente transformações urbanas que as mantenham habitáveis para as futuras gerações. Recente pesquisa da Harris Poll e do Chicago Council of Global Affairs, com 1.200 residentes das maiores seis áreas metropolitanas americanas, traz um boa notícia: em vez de a pandemia afastar os habitantes das cidades, está reforçando suas atitudes para garantir a sobrevivência urbana, por meio da adoção de novas políticas e mudanças de comportamentos pessoais.


Sete em cada dez moradores de Nova York, Los Angeles, Chicago, Houston, Phoenix e Filadélfia responderam preferir morar em cidades grandes, enquanto apenas 8% dos pesquisados afirmaram optar por subúrbios. Após o início da pandemia, 50% dos habitantes afirmaram não ter intenção de mudar de cidade, enquanto 25% deles admitem eventuais mudanças para subúrbios. Os autores da pesquisa, porém, consideram que a pandemia não abalou a longa ascendência cultural das grandes cidades americanas. Afinal, as forças por trás da renovação urbana vêm atuando há muitos anos e nem o coronavírus conseguiu barrá-las. Além disso, ressalta a pesquisa, cidades grande oferecem vantagens importantes, como concentração de recursos, amenidades, instituições e infraestrutura social.


Essa pesquisa confirma previsões feitas em junho passado por Richard Florida, professor da Universidade de Toronto, para quem o enfrentamento da pandemia pode ser uma grande oportunidade de remodelar, para melhor, as cidades americanas, em vez de provocar um êxodo maciço para o interior. Florida lembra que, ao longo da história, centros urbanos já sofreram pestes, desastres econômicos ou naturais (como terremotos), mas nada disso impediu seu desenvolvimento contínuo. Para ele, não será o coronavírus quem acabará com as cidades. Mas deve ser um momento de melhorar a vida urbana, remodelando a sociedade e a economia para torná-las mais justas, igualitárias e resilientes. Este é o desafio.



Imagem: Freepik

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